Arthur Vilhena
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Minha Festa 

Mineira de Nova Lima radicada em Belo Horizonte, Selmma Carvalho lançou em 2006 o seu último disco, “O Que Será Que Está Na Moda?”. Sete anos depois, quebra a ausência com o lançamento do álbum “Minha Festa”, que aportou no mercado por vias independentes. Com direção artística e executiva da própria artista em parceria com os arranjos, produção e direção do violonista Rogério Delayon, Selmma lança seu melhor trabalho desde que debutou em 1996 com disco homônimo.

“Minha Festa” é título autoexplicativo por vários fatores. A começar pelas fotos de Miguel Aun. A capa, com sorriso convidativo de Selmma e balão vermelho, funciona como convite, como percebemos no resto do encarte pomposo da Usina da Criação, que seguem obedecendo a essa estética. Anfitriã zelosa, Selmma brinda os convidados/ouvintes com trilha-sonora que abocanha 12 faixas. Nelas, pela primeira vez mostra composições de lavra própria, entrelaçadas com clássicos de ontem e de compositores contemporâneos.

O brinde da festa vai para a voz clara e macia de Selmma: dona de emissão segura e limpa, ela valoriza cada palavra cantada. Soma-se a isto a sua banda: antenada e competente, distribui doses pop ao repertório, o que deixa o trabalho plural e pronto pra consumação, sem, no entanto deixá-lo fast-food. É a tal MPB fervendo num caldeirão com diversas influências.

Nômade (Samuel Rosa e Chico Amaral)
A letra serve para a vida na estrada dos artistas: “porque eu sou apenas movimento, sou do mundo, sou do vento, nômade”. Refrão pega fácil, dá pra cantar junto. Participação vocal de Chico Cesar: meio árabe, oriente... Violão de aço faz acompanhamento bonito, boa parceria com o timbre macio da cantora.

Âncora (Selmma Carvalho)
Compositora interessante, letra bem construída, redonda: “só aquele santo do seu lindo altar vai ficar, de pé pra te amparar, de braços abertos vai te abrigar, um porto pra te ancorar”. O signo religioso desta última estrofe remete a Maria Bethânia. Baixo acústico deixou a canção leve. O coro de “As Formosas” poderia ter sido melhor aproveitado, explicitando melhor a parte da letra que fala do santo.

Se Sorri Ou Se Chorei (Ricardo Koctus)
Momento bem delicado, suave. Tuco Marcondes toca baixo, violão aço, ukelele, órgão e programação, programação esta que dá uma quebra gostosa, um outro gosto. Sem pressa, no tempo da delicadeza, Selmma vai saboreando palavra por palavra. Canção que vai te pegando aos poucos.

Amor (João Ricardo e João Apolinário)
Aposta num andamento mais lento, com ênfase na flauta e cello de Felipe José. É preciso coragem pra mexer num clássico, ainda mais uma canção personalíssima do “Secos & Molhados” (gravada no primeiro LP homônimo de 1973). Vale pela ousadia de fazer do seu jeito, mas o registro original continua imbatível.

Canção do Amor Doméstico (Fred Martins e Francisco Bosco)
Flauta de Felipe José começa os trabalhos: bacana, visto que este instrumento não goza de popularidade no Brasil. Fred Martins participa nos vocais: fica parecendo canção de casal apaixonado. Aliás: ele é charmoso vocalmente falando. A letra mostra o cotidiano de um casal, comum como tantos outros, mas cantado com beleza extraída da sutileza (algo que não é fácil).

Minha Festa (Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito)
A entrada, nos vocais, de Sérgio Pererê, é bem colocada, quebra o andamento e dá outro colorido pra canção, levada por letra triste que só não cai na fossa, pois Selmma é cantora que sempre guarda um sorriso na manga. Aqui, a letra é superior ao arranjo.

Imperfeição (Selmma Carvalho)
Cai no samba? Sambinha bom. De lavra própria, é a melhor letra: “mesmo enfraquecido, meu irmão, o erro é da vida, só lição, se assim caminha o mundo, em evolução, inda é cedo pra atingir, a perfeição, passo a passo, pro abraço, do perdão”. Violinos de Leíse Renhe: sacada esperta e certeira. Uma das melhores canções do disco. Violão de nylon e cavaquinho de Rogério Delayon coroa um encontro feliz de letra interessante com arranjo mais feliz ainda.

Assim É O Coração (Jerry Espíndola e Alzira E)
Guitarra de Rogério Delayon ganha destaque. Começa de um jeitinho leve e vai crescendo, pra ter o ápice na última estrofe: cantando acelerado, Selmma consegue sua melhor performance vocal. Pro ouvinte é interessante pensar que está ouvindo uma balada que ganha pincelada de um rock gostosinho e envolvente. Baixolão Fretless de Fernando Nunes dá molho especial.

Paisagem Pra Você (Selmma Carvalho e Sergio Moreira)
Nesta canção o canto límpido de Selmma atinge o ápice, o fraseado flui de maneira única e especial. Piano de Jelber Oliveira, cellos de Sergio Rabello e guitarra e baixo de Rogério fazem trio afinadíssimo. Integra os melhores momentos do disco.

A Seu Dispor (Selmma Carvalho, Paulo Santos e Vander Lee)
Canção solar: dá vontade de pegar uma bicicleta e sair por aí pegando brisa no rosto (viver é jazz). Nota-se aqui habilidade ímpar da banda de Selmma: músicos que injetam boa dose pop nas canções, sem deixá-las ralas ou artificiais. Isso ajuda o consumo do trabalho, ponto pra equipe.

Camaleão Vaidoso (J. Velloso)
Teclado bem alocado de Jelber Oliveira. O timbre macio e agregador de Selmma dá conta da letra extensa: neste momento, a guitarra de Rogério Delayon faz uma de suas melhores aparições. Selmma canta mais firme, com mais segurança. É uma faixa que destoa das restantes justamente por fazer a cantora trilhar outros caminhos. Letra com tiradas espertas: “usava suas cores de um modo particular, mas o que parecia é que as foia é quem se fazia mudar, mudava e escondia o bicho, mas era por admirar o seu jeito esquisito de ser, de viver e de amar".

Caminhão de Lixo (José Carlos Guerreiro)
Canção muito bem acabada em termos de arranjo e performance vocal. Letra contundente, critica: “ufa! Que dia estressante de trabalho, eu dei um malho, eu descolei um quebra galho, peguei atalho, um cara até me vendeu alho, no farol da João Ramalho, vai um alho aí Doutor? Doutor!?!? E o cara me chamou de Doutor. Baixo (Felipe Fantoni) e bateria (Pedrinho Moreira) fazem duelo bacanérrimo. Ótima canção pra fechar o disco, deveria abrir o show pra já começar com tudo. Pelo menos na audição é a que mais desperta a curiosidade para conferi-la (logo) ao vivo.


Clique aqui para ler a resenha original no Ofício de Cantora